Como a PEC 55 pode afetar a Saúde pública e privada no Brasil

Especialistas se dividem: uns acreditam em redução de orçamento do SUS, outros, que pode haver um melhor direcionamento e gestão dos investimentos

Como a PEC 55 pode afetar a Saúde pública e privada no Brasil

A proposta de emenda à Constituição de número 55 (PEC 55) — propõe limite dos gastos públicos em diversas áreas, incluindo a Saúde, por 20 anos, a partir de 2017, pode afetar diretamente o financiamento de diversos serviços públicos, entre os quais o Sistema Único de Saúde (SUS). Ao mesmo tempo, pode otimizar os gastos do setor, alertam especialistas.

Com o projeto aprovado em duas apreciações da Câmara dos Deputados, onde foi intitulado como PEC 241, e em outras duas votações no Senado Federal, onde foi denominado PEC 55, o governo federal espera que o Brasil tenha condições de retomar o crescimento da economia, hoje em recessão.

A PEC 241, ou PEC 55, divide opiniões de especialistas. Instituições como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), por exemplo, consideram que a PEC reduzirá o já enxuto orçamento da Saúde pública e resultar na redução de salários e na qualidade da assistência.  

O coro contrário aumentou após nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicada em setembro, apontar que a medida pode resultar em perdas de até R$ 743 bilhões para a Saúde. Após reclamações, foi informado que a limitação dos gastos em saúde e educação, diferentemente dos demais, deve ter início somente em 2018.

Por outro lado, economistas enxergam a PEC 241, ou PEC 55, como uma oportunidade de o Executivo e o Legislativo definirem prioridades de gastos na Saúde pública e desafogar o SUS. Com isso, há necessidade de se focar mais em uma gestão eficiente do sistema, que, consequentemente, traga melhorias na assistência e no acesso a medicamentos, por exemplo.

 

Redução de serviços e de acesso a remédios

Para Nilton Pereira Jr., professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Uberlândia e vice-presidente da Abrasco, o impacto na Saúde pública culminará na redução dos serviços, porque a inflação do setor é historicamente superior à geral.

Congelar conforme a inflação não é um congelamento, é uma retração de investimentos. A inflação na Saúde geralmente é três vezes maior do que nas outras áreas, por causa dos preços dos equipamentos. Quando se congelam as despesas, congela-se a receita, mas mais pessoas ficam doentes, mais pessoas envelhecem, e o gasto vai aumentar. Se a receita não aumenta, alguma coisa vai ter que ser feita para manter o equilíbrio, caso contrário, vão se reduzir os serviços. Vários hospitais e secretarias de Saúde estão diminuindo serviços, oferecendo menos exames porque sabem que receita vai ser menor do que a demanda”, afirma. 

Para o especialista, que também é membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão responsável por fiscalizar as políticas implantadas no SUS, não procede dizer que houve gastos abusivos nos últimos anos que justifiquem o arrocho fiscal.

“Nos últimos dez anos, a média de investimentos em Saúde comparado ao Produto Interno Bruto (PIB) se manteve. O orçamento federal ficou entre 1,5 e 1,7 ponto percentual do PIB nesse período, não saiu dessa faixa. Se acrescentarmos os recursos municipais e estaduais, chegou a 3,4 ponto percentual do PIB. O gasto em Saúde não é responsável pela situação atual da economia", afirma. 

Pereira cita os dados de um relatório da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), que concluiu que a atual crise econômica brasileira não está relacionada aos gastos públicos, mas à queda da receita nos últimos anos.

 

PEC obriga definir melhor os gastos

Em seu blog “Monitor de Saúde”, André Medici, economista do Banco Mundial especializado no setor, afirma que ao fixar um teto global de gastos no orçamento para os próximos 20 anos, a PEC 241, ou PEC 55, obriga o Executivo e o Legislativo a definirem prioridades de gasto. Como a medida não limita tetos de gasto para o setor em específico, apenas para o montante global despendido pelo governo, a Saúde pode receber mais investimento graças à redução de desperdício em outros setores da economia. 

A Constituição estabelece um piso mínimo de 13,2% da receita corrente líquida (RCL) da União para a Saúde. Essa porcentagem chegaria a 15% em 2020. No relatório da PEC, esses 15% foram adiantados para 2017 e então ficariam congelados pelo restante dos 20 anos.

“É pouco provável que o aumento do gasto em Saúde nos próximos anos fique limitado aos percentuais mínimos de 15% da receita de contribuição líquida da União (RCL), como apontam as projeções de descontentes e pessimistas. O mais provável é que, num contexto de crescimento econômico, o Congresso vote a lei orçamentária introduzindo aumentos reais nos recursos para Saúde como porcentagem da RCL e alcançando percentuais reais de execução maiores do que 15% e compatíveis com as necessidades de cobertura universal”. Fala o economista.

 

Saúde privada também sofrerá impactos 

A falta de investimentos no SUS deve influenciar o setor Saúde privado, conforme o vice-presidente da Abrasco. Embora em um primeiro momento possa aumentar o número de usuários, devido ao comprometimento ainda maior do SUS, o total de médicos e serviços não cresce na mesma proporção. Esse desequilíbrio deve acarretar queda de salários de médicos e da oferta de serviços das operadoras. 

“O atual ministro apoia a criação de planos de saúde populares, mas eles vão implicar na piora da qualidade do serviço privado. Para não terem prejuízo e aumentarem seus lucros, as operadoras precisarão vender mais planos e com custos reduzidos, isso será ruim para o usuário, que terá menor oferta de serviços, e ruim para o trabalhador da saúde suplementar, que poderá ter redução de salário”, afirma.

 

Entenda a trajetória da PEC 241 

A PEC 241 é apresentada pelo presidente da República, Michel Temer (PMDB), como a principal medida para equilibrar as contas públicas e, assim, conter a crise econômica no País. Como ela altera a Constituição Federal, sua sanção exige duas votações na Câmara, com apoio de ao menos 308 dos 513 deputados, e duas votações no Senado, com apoio de aos menos 49 dos 81 senadores.

Em 25 de outubro, o plenário da Câmara aprovou em segundo turno a PEC 241, com 359 votos a favor, 116 contra e 2 abstenções. Nessa segunda votação, o apoio a aprovação do projeto foi um pouco menor que no primeiro turno, em 10 de outubro, quando a medida recebeu 366 votos a favor e 111 contra e duas abstenções. Eram necessários 308 votos para que o texto passasse para nova votação.

A PEC 241 seguiu para o Senado, onde foi chamada de PEC 55, onde foi apreciada, debatida e, também, votada em dois turnos — o primeiro em 29 de novembro, por 61 votos a 14, e o segundo em 13 de dezembro, por 53 votos a favor e 16 contra.

Promulgada em sessão no Congresso Nacional, a PEC 55 tem força de lei.

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