Como a Covid-19 afetou a gestão de medicina diagnóstica: 3 estudos de caso
Especialistas contam como as rotinas médicas foram transformadas pela pandemia e descrevem os principais desafios e oportunidades para o desenvolvimento do setor de Saúde
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A pandemia trouxe inúmeras transformações à gestão de medicina diagnóstica, incluindo aspectos como o fato de os exames radiológicos fazerem parte do diagnóstico da Covid-19, a necessidade de intensificar protocolos de higienização, a queda no número dos demais procedimentos eletivos e, ainda, as mudanças no trato com os colaboradores.
As particularidades desse cenário são descritas por três especialistas ouvidos pelo Blog da MV. Eles descrevem as mudanças vivenciadas pelas organizações e seus profissionais, de que forma a radiologia digital e tecnologias como os sistemas RIS e PACS apoiaram essa transformação e como será a gradual retomada das rotinas.
Salientam também que, sem a previsão de uma vacina no curtíssimo prazo, será fundamental seguir as regras para convívio em uma realidade, com a presença do vírus como inevitável. Leia na íntegra:
Estudo de caso 1: Laudo estruturado para COVID e remanejamento de equipes ditaram cotidiano
Depoimento de Rômulo Varella de Oliveira, chefe do Centro de Imagem do Hospital São Lucas Copacabana e radiologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE-UERJ) e da Dasa.
"Em meados de março, logo que a quarentena se estabeleceu, houve uma queda brusca, na faixa de 50%, tanto de exames e procedimentos de emergência quanto de internações e atendimentos no hospital. Nesse período, fizemos um rodízio significativo na equipe, com momentos em que tivemos apenas um especialista por período — número esse que aumentou progressivamente conforme ocorreu a retomada de procedimentos. Desde setembro, já vemos um retorno com volume próximo ao registrado pré-pandemia, muito por conta de uma demanda reprimida que trouxe o pico.
Ainda durante o início da quarentena, a gestão de medicina diagnóstica tomou como medida reservar um local específico para a realização das tomografias para Covid-19 e também criou um laudo estruturado específico para a doença, com base em guias de entidades de radiologia e pneumologia. Essas estratégias foram necessárias para melhor reportar a doença em graus de extensão e também para facilitar nossa comunicação com o corpo clínico.
Também enfrentamos afastamentos de especialistas infectados pelo coronavírus. Contudo, não houve impacto para os plantões. O modelo de revezamento de equipes no trabalho também foi adotado no início da pandemia. Atualmente, com o retorno, temos ainda um profissional afastado, pois faz parte dos grupos de risco e atua em home office. Isso foi possível porque instalamos um cockpit que possibilita seu acesso ao sistema.
Com relação à saúde mental, não registramos quadros significativos, acredito até que por conta da redução da carga de trabalho durante a fase mais crítica.
O período também contribuiu para uma corrida acadêmica, e nos envolvemos em pesquisas que englobam estudos de Covid-19 e inteligência artificial, cujos resultados devem ser publicados em breve. Agora, a tendência é normalizar e, aos poucos, retomar o volume de agendamentos."
Estudo de caso 2: Saúde psicológica de colaboradores e adaptação no atendimento à Covid-19
Depoimento de Álamo Costa, radiologista e coordenador médico do Centro de Imagens do Hospital Regional Unimed (HRU) de Fortaleza.
"Um dos maiores desafios dessa pandemia foi o afastamentos das equipes contaminadas pelo coronavírus e os reflexos psicológicos no curto e longo prazos. Nesse sentido, adotamos ações como abono financeiro, acompanhamento psicológico, massoterapia, revezamento de escala com diminuição de carga horária, contratação de equipe extra, e home office para áreas não assistenciais. Como tomamos essas ações com antecedência, a recuperação desses colaboradores tem evoluído de forma bastante positiva.
Outro desafio foi com relação às medidas de atendimento. Por se tratar de um hospital de referência, todos os procedimentos eletivos foram suspensos em março devido à estrutura de contingência, retornando somente em julho de 2020. Temos observado uma normalização no número de exames suspensos, algo dentro da média para alguns métodos, e uma média superior para exames de tomografia devido ao método ter se tornado eficiente no processo de rastreio de lesões pulmonares causadas pela Covid-19.
Para garantir a segurança dos processos e, consequentemente, do paciente, também criamos protocolos para atendimento e higienização de salas, além da separação física, com ambientes específicos para cada perfil, separando pacientes de acordo com os sintomas."
Estudo de caso 3: Sistema de medicina preventiva e proatividade no cuidado de pacientes crônicos
Depoimento de Bruno Hochhegger, professor de diagnóstico por imagem na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), coordenador do Centro de Imagem do Hospital São Lucas da PUC e do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer).
"Como parte das políticas internas para lidar com a Covid-19, elaboramos um planejamento para que uma parte da equipe ficasse 15 dias em casa, enquanto a outra passava 15 dias trabalhando fisicamente, sendo os grupos de risco excluídos desse movimento. Registramos uma diminuição de cerca de 50% no volume de exames e, apesar dos atendimentos suspensos, tivemos muitas tomografias em contrapartida.
Então, também foi preciso usar protocolos mais cuidadosos e selecionar as equipes e equipamentos para atendimento exclusivo de pacientes sob risco da Covid-19, a fim de garantir cuidados com esterilização e com a não exposição dos pacientes aos riscos de contaminação no serviço de imagem.
Atualmente estamos com volume que varia entre 75% e 80% do registrado no período pré-pandemia, mas ainda é incerto quando ou se retornaremos aos 100%. Essa incerteza se deve, principalmente, à crise econômica e consequente perda de empregos e, com eles, de planos médicos.
O que se sabe é que muitos pacientes deixaram de fazer exames preventivos e rotineiros durante o período mais crítico da pandemia, o que afeta diretamente a qualidade de vida. Por isso, no momento, estamos trabalhando no desenvolvimento de um sistema de medicina preventiva para forçar uma reabertura com esse foco. Especialmente porque sabemos que pacientes que já tiveram neoplasias ou são portadores de doenças crônicas têm medo de retornar — e com razão. Acredito que um dos grandes problemas da pandemia seja esses atrasos nos diagnósticos, porque eles trarão uma taxa de mortalidade que não é desprezível. Estamos tentando reverter isso.
A retomada está acontecendo mais lentamente do que esperávamos, mas também porque a pandemia está durando mais tempo do que o esperado. Acredito que a normalidade só virá com uma vacina e, até lá, grupos de risco terão de ficar mais isolados ou com processos muito separados para realização de exames — e essa deverá ser uma preocupação recorrente para a gestão de medicina diagnóstica.
Por aqui, desenhamos um processo para pacientes com sintomas respiratórios e outro para os sem sintomas, porque não sabemos quanto tempo a vacina irá demorar. É importante que haja esses procedimentos diferenciados porque traz maior segurança para os pacientes retornarem aos centros de medicina diagnóstica."