Os desafios da interoperabilidade na Saúde brasileira
Troca de informações entre sistemas de diferentes organizações carece de mudança de cultura e avanço na maturidade e na eficiência da gestão, mas tendência promete revolucionar a assistência
As tecnologias necessárias para que a interoperabilidade na Saúde funcione na prática já existem. Para que esse conceito se torne realidade no Brasil, os gestores das organizações devem promover avanços na eficiência administrativa e também na criação de uma cultura que estimule o compartilhamento de informações entre os diversos players do setor de Saúde.
A interoperabilidade consiste na capacidade de diversos sistemas e instituições trabalharem em conjunto, apesar de suas particularidades, garantindo que interajam para trocar informações de maneira eficaz e eficiente. A quantidade crescente de dados de saúde dos indivíduos, coletados pelas diferentes instituições pelas quais ele passa ao longo de sua vida e também por tecnologias como aplicativos e sensores vestíveis, deve estar disponível para otimizar diagnósticos e tratamentos. Quem afirma é Ubirajara Maia, diretor corporativo de sistemas da MV, no webinar "Tendências 2019 HIMSS Global Conference & Exhibition". O especialista cita iniciativas como o Registro Eletrônico de Saúde (RES), capitaneada pelo Ministério da Saúde.
“Garantir a interoperabilidade dos dados dos cidadãos por meio dos registros do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma prioridade. Ainda se discute como será esse sistema, se nacional, ou seja, administrado diretamente pelo ministério, ou federalizado, no qual cada Estado trata e envia esses dados para um servidor único. Mas o fato de iniciar esse debate mostra a importância do tema."
Futuro
O próximo passo, então, é garantir a troca de informações entre sistemas públicos e privados, que permitirá uma reformulação do formato de assistência brasileiro. A disponibilidade de históricos clínicos completos permite comparar diagnósticos, promover estudos avançados do caso que será tratado e, assim, promover um apoio valioso à tomada de decisão do médico. Mais que isso, ela permite traçar estratégias que visem muito mais a prevenção e a manutenção da qualidade de vida que a cura de uma doença.
A disponibilidade desses dados influencia ainda na segurança do paciente ao permitir, por exemplo, a criação de alertas para pessoas com alergia a um determinado medicamento. Para Maia, a interoperabilidade deve permitir, inclusive, o acesso pleno dos indivíduos aos seus prontuários, ao alcance de um clique no celular, contudo, o especialista alerta:
“Ainda é necessário que haja uma regulamentação e uma aceitação por parte do mercado de compartilhar essas informações."
Um passo importante é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a LGPD, aprovada em 2018 e garante direitos aos proprietários dos dados, que devem ser informados sobre as finalidades de uso e autorizá-las expressamente, sob risco de punições para as organizações que não cumprirem a lei.
Saúde populacional
A troca de informações entre sistemas também permite a prática de estratégias de Saúde populacional, como destacou no mesmo webinar Kleber Araujo, CMIO da MV.
“A interoperabilidade é fundamental para medidas que envolvam populações, sejam elas de um país, uma cidade ou mesmo de um único hospital. Ela permite mapear situações de risco, como a incidência de uma doença infectocontagiosa, por exemplo, e agir na prevenção, com ações que vão além da Saúde, envolvendo também a gestão pública. O volume de dados trabalhados nessas estratégias é enorme e a integração é decisiva para ampliar a qualidade e a assertividade desse tipo de assistência.”
O impacto desses modelos no diagnóstico médico ainda está em processo de medição, segundo Kléber, por os sistemas serem relativamente novos no Brasil e ainda estão na etapa de coleta massiva de dados.
"Mas esse é um movimento que vai agregar muito para a qualidade de vida da nossa população, focando em estratégias que, de fato, vão beneficiar a saúde dos indivíduos."
Segurança da informação
Os especialistas lembram ainda que, para garantir sistemas interoperáveis, a segurança da informação é primordial. Maia destaca o avanço do blockchain como uma das formas de proteção desse volume cada vez maior de dados trocados entre as organizações. Mas, antes dele, algumas mudanças são necessárias.
“A segurança envolve várias tecnologias e processos, desde assinatura digital e controles e auditorias no prontuário eletrônico até uma mudança de cultura dos profissionais no uso de senhas compartilhadas, por exemplo. Mas o primordial é que o blockchain precisa de um modelo de negócio que o sustente. A organização deve determinar qual informação contará com interoperabilidade e quem serão os responsáveis por garantir a segurança desses dados. É essa maturidade que ainda precisamos alcançar”, garante.