Sistema de gestão de Saúde pública municipal coloca tecnologia a favor da transparência
Uso inteligente da ferramenta promove acesso à informação, evita fraudes e desperdícios e otimiza a capacidade do poder público para fornecer o cuidado necessário à população
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Demanda versus capacidade de atendimento é um dos mais conhecidos gargalos da gestão da Saúde Pública no Brasil. Sua complexidade se tornou ainda maior durante a pandemia do coronavírus, quando o isolamento social impôs a dependência da tecnologia para praticamente todas as atividades. Nesse contexto, utilizar ferramentas como um sistema de gestão é uma forma de otimizar o acesso da população e, consequentemente, garantir mais transparência.
Essa transparência, inclusive, é fundamental em um setor que, por lei, deve prestar contas do uso dos recursos públicos. Ela auxilia na redução de desperdícios e burocracias, evita fraudes e promove melhorias no fluxo de atendimento, possibilitando que a gestão da Saúde Pública foque seus esforços no cuidado ao cidadão.
Para José Roberto de Sousa Martins, gerente de TI do Centro Universitário Saúde ABC - FMABC, alcançar esses resultados depende da combinação da tecnologia a modelos de assistência como centrais de regulação ou consórcios intermunicipais, capazes de atender demandas específicas de um município, ou mesmo de uma combinação de municípios próximos.
“Com uma central de regulação de oferta, por exemplo, é possível inibir práticas irregulares, sobretudo porque são as unidades de Saúde que enviam as solicitações de atendimentos. A central, então, tem o papel de gerenciar a demanda e repassá-la, levando em consideração aspectos como as condições de saúde e região onde se localiza o cidadão, entre outros”, aponta o especialista, que atua na Saúde Pública há 20 anos.
Para disponibilizar essas informações ao cidadão surgem iniciativas como o governo eletrônico (ou e-gov), mecanismo cuja finalidade é garantir a prestação de serviços e democratizar o acesso e transparência, garantidos pela Constituição e também pela Lei da Transparência (Lei complementar nº 131/2009). O modelo ainda fomenta a extensão de processos democráticos e auxilia na elaboração de políticas públicas.
Conheça outros aspectos citados pelo especialista nos quais a tecnologia promove mais transparência e, consequentemente, garante a melhor gestão e fiscalização de recursos públicos:
Suprimentos
Dados do Observatório de Esclerose Múltipla, uma iniciativa da Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), apontam que, nos últimos anos, cerca de 52% da população que retira medicamentos para a doença pela rede pública experimentou atrasos ou falta do medicamento. Há registro de pessoas que, inclusive, demoraram três meses para conseguir a medicação.
A tecnologia é um meio para diminuir gargalos como esse na gestão da rede de suprimentos, permitindo otimizar a distribuição de insumos, sobretudo no caso de uma gestão intermunicipal, onde itens podem ser enviados para cidades onde há maior demanda.
"Está tudo registrado e não existe mais o ‘está em falta em uma unidade, vou lá e compro' que, por vezes, resulta em medicamentos vencidos e na dispensação do item de forma incorreta", destaca o especialista.
Martins cita, ainda, o uso de sistemas com regulamentação jurídica para a negociação de preço de bens e serviços, que promovem ampla competitividade e igualdade de condições de participação e dificultam, assim, a ocorrência de fraudes.
A transparência, nesse sentido, trabalha para todas as pontas: na garantia de que medicamentos chegarão aos cidadãos que necessitam deles, de que não haverá descarte desnecessário, ou uso de dinheiro público indevidamente.
Fiscalização e atendimento
Além de inibir práticas irregulares, a tecnologia aplicada em prol da transparência permite fiscalizar a prioridade de atendimento. Por exemplo, nas urgências e emergências médicas, a gestão da Saúde pública municipal pode garantir que cidadãos com quadros mais graves sejam priorizados, englobando tanto ecossistemas de atendimento físico quanto remoto.
"Você pode ter grandes centros com deslocamento de pacientes apenas para realização de exames, mas todo o processo de agendamento, indicação e o próprio resultado podem ser digitalizados, o que amplia a qualidade e o acesso", destaca o especialista.
O formato é fundamental, por exemplo, em casos de transplantes. Segundo o Ministério da Saúde, atualmente existem mais de 46 mil pessoas cadastradas na fila à espera de um transplante de órgãos.
O Brasil conta com o maior sistema público de transplantes do mundo: o Sistema Nacional de Transplantes, e 95% das cirurgias do País são realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Monitorar quem tem prioridade na fila e garantir que essa pessoa seja beneficiada quando possível e necessário é uma das vantagens de se ter transparência nos dados.
Saúde populacional
A tecnologia favorece, também, o monitoramento epidemiológico da população assistida por cada unidade de Saúde e também pela rede como um todo. Dessa forma, é possível identificar localidades onde há uma grande retirada de medicamento, ou regiões que registram alta de alguma doença específica.
“Dessa forma, o acesso à informação traz uma ferramenta eficaz de controle epidemiológico e base sólida para gestão da Saúde Pública criar e aplicar políticas específicas, quando necessário”, destaca o especialista.
Processos
Para garantir a transparência, é possível estabelecer níveis de uso da tecnologia, tomando como base, por exemplo, a acreditação da HIMSS. Mas para que a estratégia funcione, o especialista garante: é preciso, primeiro, mapear e organizar os processos.
"Mais do que um nível tecnológico, recomenda-se ter uma visão estruturada por processo e nível de maturidade. Se a base usada é a tecnologia, então tudo é passível de mudança, porque ela se renova regularmente", salienta Martins.
Ao definir esse gerenciamento pela ótica do processo, é mais fácil determinar equipamentos e infraestrutura tecnológica para o funcionamento mais adequado de diferentes áreas.
O especialista lembra também que a estruturação e investimento desse tipo de trabalho, por vezes, pode enfrentar outro tipo de desafio: o do convencimento de equipes para o uso de tecnologias — um cenário que a gestão da Saúde Pública, por vezes, precisa enfrentar. Esse convencimento começa na concepção de projetos e envolvimento das equipes.
"Um projeto só tem valor se os profissionais na ponta estão totalmente seguros e confortáveis", comenta.
"Acredito que para promover a mudança do analógico [comum à Saúde Pública], é preciso passar por uma abordagem estruturada por processos, fundamentalmente apoiada por investimentos adequados e melhor especificação da tecnologia para cada processo em questão."
Martins ressalta que os profissionais envolvidos são a "cereja do bolo". Eles, portanto, devem participar desde o início, do desenho de projetos, até o momento da capacitação.
"E sempre considerando os diferentes públicos envolvidos."
O especialista garante que a demanda por tecnologia na gestão da Saúde Pública virá, cada vez mais, da própria população.
“E a pandemia só evidenciou ainda mais essa necessidade.”